segunda-feira, 22 de março de 2021

Ética da Transformação – Ermance Dufaux – Livro Reforma Íntima sem Martírio

 

“Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral (...)”.

(O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO – cap. XVII, item 4)

 

A reforma íntima é um trabalho processual.

Processual significa aquilo que obedece a uma sequência. Em conceito bem claro, é a habilidade de lidar com as características da personalidade melhorando os traços que compõem suas formas de manifestação. Caráter, temperamento, valores, vícios, hábitos e desejos são alguns desses caracteres que podem ser renovados ou aprimorados.

Nessa saga de mutação e crescimento, o maior obstáculo a transpor é o interesse pessoal, o conjunto de viciações do ego repetido durante variadas existências corporais e que cristalizam a mente nos domínios do personalismo.

O hábito de atender incondicionalmente as imposições dos desejos e aspirações pessoais levou-nos a cruel escravização, da qual muito será exigido nos esforços reeducativos para nos libertamos do “império do eu”.

Negar a si mesmo ou “despersonificar-se”, esvaziar-se de “si”, tirar a máscara é o objetivo maior da renovação espiritual. Esse o grande desafio a seguido por todos os que se comprometeram com seriedade nas nobres finalidades do Espiritismo com Jesus e Kardec.

Extenso será esse caminho reeducativo na vitória sobre nossa personalidade manhosa e talhada pelo egoísmo...

O meio prático e eficaz de consegui-lo, conforme ensinam os bons Espíritos da Codificação, é o conhecimento de si mesmo (1).

Entretanto, para levar o homem ao aprimoramento, o autodescobrimento exige uma nova ética nas relações consigo e com a vida; é a ética da transformação, sem a qual a incursão no mundo íntimo pode estacionar em mera atitude de devassar a subconsciência sem propósitos de mudanças para melhor. O Espiritismo é inesgotável manancial no alcance desse objetivo. Eu conteúdo moral é autêntico celeiro de rotas para quantos desejam assumir o compromisso de sua transformação pessoal com segurança e equilíbrio. Sem psicologismo ou atitudes de superfície, a Doutrina Espírita é um tratado de crescimento integral que esquadrinha os vários níveis existenciais do ser na ótica imortalista.

Nem sempre, porém, verifica-se tanta clareza de raciocínios entre os espiritas acerca dessa questão. Conceitos mal formulados sobre o que seja a renovação interior têm levado muitos corações sinceros a algumas atitudes de puritanismo e moralismo, que não correspondem ao lídimo transformador da personalidade, em direção aos valores capazes de solidificar a paz, a saúde e a liberdade na vida das criaturas. Por esse motivo, será imperioso que as agremiações do mundo, erguidas em nome do Espiritismo ou aquelas outras que expandam a luz da espiritualização entre os homens, investiguem melhores noções sobre a ética da transformação, a fim de oferecer a seus profitentes uma base mais cristalina sobre os caminhos e percalços no serviço da iluminação de si mesmo.

A prática especial e meta fundamental dos ensinos dos bons Espíritos são a melhora da humanidade, a formação do homem de bem. O Espiritismo, em verdade, está nos elos que criamos, uns com os outros, e que passam a fazer parte da personalidade nova que estamos esculpindo com o buril da educação. Os “ritos” ou práticas doutrinarias são recursos didáticos para o aprendizado do amor – finalidade maior de nossa causa. Na falta do amor, as práticas perdem seu sentido divino e primordial.

Em face dessas reflexões, evidencia-se a urgência da edificação de laços de afetos nos grupamentos humanos, no intuito de fixarmos na intimidade as mensagens do Evangelho e do bem universal. Afeto é a seiva vitalizadora dos processos relacionados e o construtor de sentidos nobres para a existência dos homens.

O autoconhecimento, através das luzes de imortalidade que se espera dos fundamentos espíritas, é um mapa de como chegar ao “eu verdadeiro”, a consciência. Todavia, essa viagem não pode ser feita somente com o mapa, necessita de suprimentos morais preventivos e fortalecedores, necessita de uma ética de paz consigo próprio.

Somente se conhecer não basta, é necessário um intenso labor de auto aceitação para não cairmos nas garras de perigosas ameaças nessa “viagem de retorno a Deus”, cujas mais conhecidas são a culpa, a autopunição e a baixa autoestima, as quais estabelecem o clima psicológico do martírio. É preciso uma ética que assegure a transformação pessoal um resultado libertador de saúde e harmonia interior. Tomar posse da verdade sobre si mesmo é um ato muito doloroso para a maioria das criaturas.

À guisa de sugestões maleáveis, consideremos alguns comportamentos que serão efetivos roteiros de combate, vigília e treinamento para instauração das linhas éticas no processo autotransformador:

POSTURA DE APRENDIZ – jamais perder o vistoso interesse em buscar o novo, o desconhecido. Sempre há algo para aprender e conceitos a reciclar. A postura de aprendiz se traduz no ato da curiosidade incessante, que brota da alma como sendo a sede de entender o Universo e nossa parte “dança dos ritmos cósmicos”. Romper os preconceitos e fugir do estado doentio da autossuficiência.

OBSERVAÇÃO DE SI MESMO – é o estudo atento de nosso mundo subjetivo, o conhecimento das nossas emoções, o não julgamento e a auto avaliação constante. Tendemos a avaliar o próximo e esquecer o serviço que nos compete, no entanto, relembremos que perante a imortalidade só responderemos por nós, no que tange ao serviço de edificação dos princípios do bem na intimidade.

RENÚNCIA – a mudança íntima exige uma seletividade social dos ambientes e costumes, em razão dos estímulos que produzem reflexos no mundo mental. No entanto, a renúncia deve ampliar-se também ao terreno das opiniões pessoais e valores institucionais para os quais, frequentemente, o orgulho nos ilude.

ACEITAÇÃO DA SOMBRA – sem aceitação da nossa realidade presente, poderemos instaurar um regime de cobranças injustas e intermináveis conosco e posteriormente com os outros. A mudança para a melhor não implica em destruir o que fomos, mas dar nova direção e maior aproveitamento a tudo que conquistamos inclusive nossos erros.

AUTOPERDÃO – a aceitação, para ser plena precisa do perdão. Recomeço é a palavra de ordem nos serviços de transformação pessoal. Sem ela o sofrimento e a flagelação poderão estipular provas dolorosas para a alma. É uma postura de perdão às faltas que cometemos, mas que gostaríamos de não cometer mais.

CUMPLICIDADE COM A DECISÃO DE CRESCER – o objetivo da renovação espiritual é gradativo e exige devoção. Não é serviço para fim de semana durante a nossa vida, onde estivermos. Somente assumindo com muita seriedade esse desafio o levaremos avante. Imprescindível a atitude de comprometimento com a meta de crescimento que assumimos. Somos egressos de experiências frustradas no desafio do aperfeiçoamento pessoal, portanto, muito facilmente somos atraídos para ilusões variadas. Somente com muita severidade e muita disciplina construiremos o home novo e almejado.

VIGILÂNCIA – é a atitude de cuidar da vida mental. Cultivar o hábito de higiene dos pensamentos, da meditação o conhecimento de si, da absorção de nutrição mental digna nas boas leituras, conversas, diversões e ações sociais. Vigilância é a postura da mente alerta, ativa, sempre voltada a ideais enriquecedores.

ORAÇÃO – é a terapia da mente. Sem oração dificilmente recolheremos os germens divinos do bem que constituem as correntes de energia superior da vida. Através dela, igualmente, despertamos na intimidade forças nobres que se encontram adormecidas ou sufocadas pelos nossos descuidos de cada dia.

TOLIERÂNCIA – toda evolução é concretizada na tolerância. Deus é tolerância. Há tempo para tudo e tudo tem seu momento. Os objetivos da melhoria requerem essa complacência conosco para que haja mais resultados satisfatórios. Complacência não significa conivência ou conformismo, mas caridade com nossos esforços.

AMOR INCONDICIONAL – aprender o autoamor é o maior desafio de quem assume o compromisso da reforma íntima, porque a tendência humana é desgostar de sua história e evolução, quem toma consciência do ponto em que se encontra ante os estatutos universais da lei divina. Sem autoamor a reforma íntima reduz-se a “tortura íntima“.  Aprendera gostar de si mesmo, independente do que fizermos no passado e do que queremos ser no futuro, é estima a si próprio, o estado interior de júbilo com nosso retorno lento, porém gradativo, para uma identificação plena com o pai.

SOCIALIZAÇÃO – seu interesse pessoal é o grande adversário de nosso progresso, então a ação em grupos de educação espiritual será excelente meditação contra o personalismo e a vaidade. Destaquemos assim o valor das tarefas doutrinárias regadas de afetividade e siso moral. São treinamentos na aquisição de novos impulsos.

CARIDADE – se socializar pode imprimir novos impulsos e reflexões no terreno da vida mental, a caridade é o “dínamo de sentimentos nobres” que secundaram o processo socializador, levando-o ao nível de abençoada escola do afeto e revitalização dos ensinamentos espíritas.

 

Conviveremos bem com os outros na proporção em que estivermos bem conosco mesmo. A adoção de uma ética de paz, no transcorrer da metamorfose de nós próprios, será medida salutar no alcance das metas que almejamos, ao tempo em que constituirá garantia de bem-estar e motivação para a continuidade do processo.

O exercício de negar a si mesmo não inclui o descuido ou o descrédito pessoal, confundindo a sombra que precisamos reciclar com necessidades pessoais que não devemos desprazer, para o bem-estar e equilíbrio. Cuidemos apenas de atrelar essas necessidades de conformidade com os novos rumos que escolhemos.

Fazemos essa menção porque muitos corações queridos do ideal supõe que reformar é negar ou mesmo castigar a si, quando o objetivo do projeto de mudança espiritual  é tornar o homem mais feliz é integrado a sua divina tarefa perante à vida.

Nos celeiros de luz dos repositórios do Evangelho, verificamos um exemplo de rara beleza e oportunidade que servirá como diretriz segura para a “despersonificação” dos servidores do Cristo na obra do amor; Ananias, o apóstolo chamado para curar o Doutro de Tarso. Quando o Mestre o chama pelo nome, o colaborador humilde, com prontidão e livre dos interesses pessoais, responde sabiamente: “Eis-me aqui, Senhor (2)

O nome dessa virtude no dicionário cristão é disponibilidade para servir e aprender, o programa ético mais completo e eficaz para quantos desejam a auto iluminação.

(1)    O LIVRO DOS ESPÍRITOS – Questão 919.

(2)    ATO DOS APÓSTOLOS, 9:10

Livro Reforma Íntima sem Martírio - Ermance Dufaux – psicografia de Wanderley de Oliveira

quinta-feira, 18 de março de 2021

Texto 2 do livro Tão Te Ching (Tradução e Comentários de Laércio Fonseca)



 TEXTO 2

Ao conceituarmos o que é belo, surge o conceito do feio. Ao conceituarmos o que é bom, surge o conceito de mau. Por isso, o imanifesto e o manifesto são um só. O fácil e o difícil são conceitos que se complementam. O grande e o pequeno se completam. O alto e o baixo se harmonizam. O som e o silencia geram equilíbrio. Os conceitos dos opostos são complementares. Assim, o homem sábio age pelo não agir. Pratica sua doutrina sem falar. Ele apenas contempla todas as coisas sem intervir em seu fluxo. Procura não possuir nem se apegar a nada. Toda obra concluída marca sempre o início de uma outra. E pelo fato de estar desapegado, tudo flui harmoniosamente e não se esgota jamais.

Comentários de Laércio Fonseca

Neste texto, o filósofo Lao Tzu nos aponta como a visão chinesa da dualidade é muito diferente da ocidental. Ele nos mostra que tudo não passa de conceitos abstratos que o homem tem sobre as questões do mundo. Dizer que uma coisa é bela e outra é feia, uma é boa e a outra má, dizer que algo é divino e outro demoníaco são apenas aspectos da visão humana sobre natureza destas coisas. Para Lao Tzu, essa maneira dual de observação provém do estado de ignorância em que se encontra a humanidade. Um ser iluminado não vive num universo de distinções e todas as condições lhe são iguais. Tudo não passa de aspectos manifestos da mesma realidade última que consiste na unidade. Para o sábio, tudo é esta unidade e não existe os opostos. Aquilo que, para os homens, são aparentemente coisas adversas, são mostradas por Lao Tzu como sendo, na verdade, complementares. São energias que se harmonizam para gerar tudo que existe, assim como os prótons e elétrons. Ainda neste texto, Lao Tzu nos conta que o verdadeiro sábio taoista age pelo princípio conhecido na China por Wu Wey, que quer dizer “Agir pelo não agir” Como o sábio não vê distinções nas coisas do mundo, não precisa lutar para fazer com que uma das partes se manifeste com mais intensidade.

Extraído do livro Tão Te Ching (Tradução e Comentários de Laércio Fonseca)


 

 

Texto 1 do livro Tão Te Ching (Tradução e Comentários de Laércio Fonseca)



 TEXTO 1

Qualquer imagem que você possa conceber do Criador, não representa a sua verdadeira realidade. Qualquer nome ou forma que você lhe atribuir, certamente não indicará seu verdadeiro nome ou forma. No imanifesto e no inominável está a origem do céu e da terra. Todas as coisas a que podemos dar nomes têm sua origem no imanifesto. Somente através de nossa existência poderemos contemplar o imanifesto. Só compreenderemos a essência do Criador quando nos tornarmos um com ele. Esse, sem dúvida, é o grande mistério. Conhecê-lo realmente é o cerne da sabedoria suprema.

Comentários de Laércio Fonseca

Neste primeiro texto, Lao Tzu discursa sobre a natureza do criador de todas as coisas. Aquele que, aqui no ocidente, chamamos de Deus. No entanto, diferente do conceito ocidental de divindade, o taoismo, em sua raiz, não concebe nenhum modelo do divino. Quando Lao Tzu se refere ao Criador como o imanifesto, o inominável mostra que o homem é um grande ignorante quanto à verdadeira natureza de Deus. O próprio filósofo também se vê nesse dilema e, inteligentemente, procura não elaborar nenhuma ideia de divindade. Ele acredita que, no atual estado de consciência em que a humanidade se encontra qualquer forma, modelo ou imagem que se tenha, certamente estará errada. Sendo assim, nem mesmo um nome pode ser dado ao supremo, pois nomeá-lo significa rotulá-lo e limitá-lo a conceitos humanos primitivos. Dessa maneira, no taoismo clássico e original, não existe nenhum deus falando com sacerdotes e profetas, ditando regras e leis divinas a serem seguidas pelos homens. A compreensão desse deus e de todos os mistérios da natureza só pode ser seguida pelos homens. A compreensão desse deus e de todos os mistérios da natureza só pode ser alcançada através do Tão. O fluxo natural da vida e de todas as coisas.

Portanto, a base do pensamento taoista consiste em não criar modelos do divino dessa ou daquela forma. Sua verdadeira compreensão ocorrerá somente com iluminação individual.

Extraído do livro Tão Te Ching (Tradução e Comentários de Laércio Fonseca)


 

 


terça-feira, 16 de março de 2021

Dores do Martírio - Ermance Dufaux - Livro Reforma Íntima sem Martírio

 


“Não consiste a virtude em assumirdes severo e lúgubre (fúnebre) aspecto, em repetirdes os prazeres que as vossas condições humanas vos permitam”.

“Não imaginais, portanto, que para viverdes em comunicação constante conosco, para viverdes sob as vistas do Senhor, seja preciso vos cilicieis e cubrais de cinzas.”

Um Espírito Protetor (Bordéus, 1863).

O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO – Cap. XVII, item 10.

No capítulo do crescimento espiritual torna-se essencial distinguir o que são as dores do crescimento e as dores do martírio. Não existe reforma íntima sem sofrer, mas martírios é uma forma de autopunição; são “penitências psicológicas” que nos impomos como se com isso estivéssemos melhorando.

Em razão do complexo de inferioridade que assola expressiva parcela das almas da Terra, e cientes de que semelhante violência psicológica deve-se ao nosso voluntário “afastamento de Deus”, ao longo das etapas evolutivas, fazendo-nos sentir inseguros e impotentes, hoje criamos as “capas mentais” para nos sentirmos minimamente bem e levar avante o desejo de existir e viver. Essas capas são as estruturas do “eu ideal” que nos leva a crer sermos mais do que realmente somos, uma defesa contra as mazelas que não queremos aceitar em nós mesmos.

A melhoria íntima autêntica ocorre pelo processo de conscientização e não pelas dores decorrentes de cobranças e conflitos interiores, que instalam “circuitos fechados” e pane na vida mental.

Sem dúvida, todos sofremos para crescer; martírios, no entanto, é o excesso que nasce da incapacidade de gerir com equilíbrio o mundo emotivo, assumindo proporções e facetas diversificadas conforme o temperamento e as necessidades de cada qual. Não confundamos também com sacrifício – ato que ocasiona dores intensas com o objetivo de alcançar algumas meta ou superar alguma dificuldade.

O que define a condição psíquica de martiriza-se é o fato de se crer no desenvolvimento de qualidades que, de fato, não estão sendo trabalhadas na intimidade. São as dores impostas a nós mesmos pelas atitudes de desamor, quando acreditamos no “eu ideal” e negamos ou frigimos de “eu mesmo”.

Quase sempre as dores do martírio decorrem de não querermos experimentar as dores do crescimento. Um exemplo típico é quando somos convocados a examinar certa imperfeição apontada por alguém e, entre a dor da auto avaliação e a dor da negação, preferimos a segundo, a qual integra a lista das “dores excesso”.

Dentre as formas autopunitivas mais comuns, destacamos que a maneira pela qual reagimos a nossos erros tem sido um canal de acesso a infinitas dimensões expiatórias. Muitos corações transformam o erro e a insatisfação com suas experiência em quedas lamentáveis e irrecuperáveis, quando a escola da vida é um gesto de sabedoria e complacência convidando-nos sempre a reerguer e recomeçar, perante todos os insucessos do caminho.

Quando digo assim: “não posso mais falhar” será mais difícil a conquista de si. Dessa forma começamos a conhecer os grandes inimigos do autoamor no nosso íntimo. Um deles é o perfeccionismo – uma das fontes de martírio que costuma dizimar a energia de muitos aprendizes da espiritualidade. Querendo se transformar, partem para um processo de auto inaceitação e de autor reprovação muito cruéis, inclinando-se para a condenação. A questão não é lutar contra nós, é sim conquistar essa parte enfermo recuperá-la, e isso jamais conseguiremos se não aprendermos a amar a esse nosso “lado doentio”.

Essa forma inadequada de reagir a nossos erros abre porta para muitas consequências graves, e às vezes maiores que o próprio erro em si, tais como: estado íntimo de desconforto e desassossego quase permanente, torturante sensação de perda de controle sobre a existência, baixa tolerância à frustação, ansiedade de origem ignorada, medos incontroláveis de situações irreais, irritações sem motivos claros, angústia perante o porvir com aflições e sofrimento por antecipação, excesso de imaginação ante fatos corriqueiros da vida, decresça no espaço  de mudança e nas tarefas doutrinárias, mau-humor,  decisões infelizes no clima emotiva de confusão mental, intenso desgaste energético decorrente de conflitos, desânimo – são algumas dores do martírio.

Quando permanecem prolongadamente, esses estados psicológicos configuram uma auto-obsessão que pode atingir o campo do vampirismo e de ilimitadas doenças físicas.

Poder-se-ia indagar a origem mais profunda de tantas lutas e teríamos que vagar por um leque de alternativas tão amplas quanto são as individualidades. Todavia, para nossos propósitos desse momento, convém-nos refletir sobre uma das mais pertinentes atitudes que têm levado os discípulos espíritas aos sofrimentos voluntários com os seus processos de interiorização. Sejamos claros e sem subterfúgios para o nosso bem. O culto à dor tornou-se uma cultura nos ambiente espíritas. Condicionou-se a ideia de que sofrer é sinônimo de crescer, de que sofrer é resgatar, quitar. Portanto, passou-se a compreender a “dor-punitiva” como instrumento de libertação, quando, em verdade, somente a dor que educa liberta. Há criaturas dotadas de largas fatias de conhecimento espiritual sofrendo intensamente, mas que continuam orgulhosas, insensatas, hostis e rebeldes.

Não é a intensidade da dor que educa, é sim o esforço de aprender amenizá-las.

O espírita costuma “neutralizar” a proposta da reforma íntima. É a “neurose de satisfação”, um modo imaturo de agir em razão da ausência de noções mais profundas sobre a sua verdadeira realidade espiritual.

Constatamos que existe muita impaciência com a reforma íntima devida a angústia causado ao Espírito devido ao contato com sua verdadeira condição diante do Universo. Cria-se assim para si, através de mecanismos mentais, as “virtudes de adorno” ou “compensações artificiais” a fim de sentir-se valorizado perante a consciência e o próximo. São esconderijos psíquicos nos quais quase sempre enfurnamos para não tornarmos contato com a “verdade pessoal”...

Essa neurotização da virtude gera um sistema de vida cheia de hábitos e condutas rígidas, a título de seguir orientações da doutrina. Adotam-se procedimentos que não são sentidos e “triturados” pela arte de pensar. Isso nos desaproxima ainda mais da autêntica mudança e passamos então a nos preocupar com o que não devemos fazer, esquecendo o que devíamos estar fazendo. Certamente esse caminho gera martírio e ônus para a vida mental.

Existem muitas dores naturais no crescimento espiritual que estabelecem um processo crônico de pressão psicológica, entretanto, diferem muita da autoflagelação, porque elas impulsionam e fazem parte da grande batalha pela promoção de todos nós. Observa-se, inclusive, que alguns corações sinceros, inseridos no esforço autoeducativo experimentam essa “silenciosa expiação”, mas, por desconhecerem os percalços do trabalho renovador, terminam por desistirem de prosseguir e atolam-se no desânimo. Acreditam-se piores quando constatam semelhantes quadros de dor psicológica e deduzem que, ao invés de progredirem, estão em plena derrocada. Diga-se de passagem, não são poucos os quadros com essas características que temos observado no seio do movimento doutrinário.

Frequentemente existe um trio de sicários da alma que achicoteiam durante as etapas do amadurecimento, são eles: baixa autoestima culpa e medo de errar. Apesar de serem sofrimentos psíquicos, funcionam como emuladores do progresso quando nos habilitamos a gerenciá-los. Assim, a culpa transforma-se me auto aferição da conduta e freio contra novas quedas, a baixa autoestima converte-se em capacidade de descobrir valores e o medo de errar promove-se a valoroso arquivo de experiências e desapego de padrões.

Face ao exposto, indaguemos sobre quais seriam as medidas que deveriam ser implementada nos núcleos educativos do Espiritismo, em favor da melhor compreensão dos roteiros de transformação interior. Aprofundemos o debate entre dirigentes sobre quais iniciativas poderiam ser facilitadas aos novéis trabalhadores em favor de um aprendizado sem os torturantes conflitos originados da crueldade aplicada nos mesmos, quando não somos criativos o bastante para lidar com nossa sombra e tombarmos em martírios inúteis.

Reforma íntima deve ser considerada como melhoria de nós mesmos e não a anulação de uma parte de nós considerada ruim.

Uma proposta de aperfeiçoamento gradativo cujo objetivo maior é a nossa felicidade.

Quem está na reforma anterior tem um referencial fundamental para se autoanalisar ao longo da caminhada educativa, um termômetro das almas que aprimoram; inevitavelmente, quem se renova alcança a maior conquista das pessoas livres e felizes: o prazer de viver.

Ermance Dufaux

Capitulo 1 do livro Reforma íntima sem Martírio – psicografia de Wanderley de Oliveira

 

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sexta-feira, 12 de março de 2021

Consciência de si - Ermance Dufaux - Livro Reforma Íntima sem Martírio

 

“Em princípio, o homem que se exalça (engrandece) que ergue uma estátua à sua própria virtude, anula, por este simples fato, todo o mérito real que possa ter. Entretanto, que direi daquela cujo único valor consiste em parecer o que não é? Admito de boamente que o homem que pratica o bem experimenta uma satisfação íntima em seu coração; mas, desde que tal satisfação se exteriorize, para colher elogios, degenera em amor-próprio”.

François- Nícolas- Madeleine (Paris, 1863).

O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO – Cap. XVII, item 8

Estudiosos discípulos do Espiritismo propôs-nos a seguinte indagação: que revelações novas teriam os amigos, espirituais em favor do aperfeiçoamento interior nessa hora de tantas lutas na Humanidade?

Em resposta a seu pedido sincero de aprender exaramos os textos aqui discorridos, Não constitui novidades, e sim um enfoque prático para velhas questões morais que absorvem quantos anseiam pela melhoria de si mesmo.

Nossa proposta é apresentar algumas ideias-chaves” com fins de meditação e auto aferição, ou ainda para estudos em grupos que anseiam por buscar respostas sobre as intrigantes questões da vida interior. Se não entendermos realmente a razão de nossas atitudes, não reuniremos condições indispensáveis para o serviço renovador de nós próprios.

A capacidade de administrar o mundo objetivo torna-se cada dia mais precisa e rica de tecnologia para melhor eficácia nos resultados, todavia, a inabilidade na gerência do mundo íntimo é comprovada, a todo o instante, pelos atestados de descontrole e insatisfação que o homem tem demonstrado em sua vida pessoal. Homens vencedores edificam pontes maravilhosas que se tornam cartões-postais no mundo inteiro, porém, nem sempre dominam a arte de construir um singelo fio de atenção que possa estabelecer uma ponte entre ele e seu próximo, diminuindo a distância que os separa. Cirurgiões habilidosos transplantam órgãos sensíveis com precisão e controlo nos dedos, e, no entanto, constantemente desequilibra-se quando pequeno talher escapa das singelas mãos de seu rebento, gerando perturbação e mal-estar na prole. Se o cerne da proposta educativa do Espiritismo é a melhoria espiritual pela reforma íntima, essa, por sua vez, tem por objetivo elementar, libertar a consciência dos grilhões do ego para que possa brilhar com exuberância, sem as sombras que teimam em buscar-lhe. Travamos ao iniciar a renovação de nós mesmos, uma batalha entre o ego e consciência nos rumos da conquista do selfdefinitivo.

Reforma íntima! Eis o tema predileto dos adeptos do Espiritismo no vastíssimo repositório de assuntos elevados que nos desafia o entendimento sob a ótica do Espirito imortal. Apesar de sua predileção, constata-se que a assiduidade com a qual é tratada não lhe tem garantido noções mais dilatadas que permitam o esforço consciente na transformação da personalidade humana.

Nessa ótica, exaremos alguns conceitos que merecem ser resgatados no seu melhor entendimento:

Uma é normal construção gradativa de valores, a solidificação de qualidades eternas.

Uma normal proposta de plenitude e não de derrotismo. É fazer mais luz para varrer as sombras. Muitos, porém, acreditam que luz se faz extinguindo as trevas...

É a formação do homem de bem. Não se trata de deslocar vícios e colocar virtudes. É dada muita importância às imperfeições nos ambientes da doutrina, quando deveríamos mais falar das virtudes do homem de bem.

Processo libertador da consciência. Não se trata de vender o ego, mas conquistá-lo através do domínio natural da “voz” divina que ecoa em nossa intimidade.

Reforma íntima não deve ser entendida apenas como contenção de impulsos inferiores. Muito, além disso, tornar-se urgente analisa-la como o compromisso de trabalhar pelo desenvolvimento dos lídimos (verdadeiros) valores humanos na intimidade. Circunscrevê-la a regimes de disciplina pela vigilância de vontade e vontade poderá instituir a cultura do martírio e da tormenta como quesitos indispensáveis ao seu dinamismo.

Contenção é aglutinação de fossas de defesa contra a rotina mental dos reflexos do mal em nós. Todavia, somente e edificação da personalidade cristã, pródiga de qualidades morais nobre, permitirá a paz interior e o serviço de libertação definitiva para além-muros da morte corporal. Por essa razão, entre os seguidores da mensagem espírita, urge difundir noções mais lúcidas sobre o nível de comprometimento a que devem se afeiçoar todos os seus aprendizes. Apenas evitar o mal não basta imperioso fazer todo o bem ao nosso alcance. A reforma de profundidade exige devoção integral aos deveres da espiritualização, onde quer que estejamos criando condições para vivências íntimas que asseguram comoções afetivas revitalizadoras e motivadoras a rumos mais vastos na ação e na reação: é a criação de condicionamentos novos elevados.

Assim como o corpo não extirpa partes adoecidas, mas procura harmonizá-las ao todo, a alma procede seu crescimento dentro do princípio de ‘reaproveitamento” de todas as experiências infelizes .

Quem busca o aprimoramento de si mesmo tem como primeiro desafio o encontro consigo. A ausência de ideias claras sobre nós próprios constitui pesado 6onus a ser superado, o qual tem levado corações sinceros e bem-intencionados à dolorosos conflitos mentais com a melhoria individual, instaurando uma doloroso processo de martírio a si mesmo.

Não existe reforma íntima sem dores, razão pela qual será oportuno discernir as dores do crescimento e quais são as dores que decorrem de nossa incapacidade em lidar com as forças ignoradas da vida subjetiva em sós mesmos. A distinção entre ambas tornará nosso programa de melhoria pessoal um tanto mais eficaz e menos doloroso.

Fala-se muito do homem velho e quase nada sobre como consolidar o homem novo. Dominados pelo mau hábito de destacar suas doenças espirituais, criou-se um sistema neurótico de superavaliação das imperfeições morais que tem conduzindo muitos espiritistas (espíritas) à condição de autênticos “hipocondríaco (tristes) da alma”.

Conter o mal é parte do processo transformador, construir o bem é a etapa nova que nos aguarda.

Bem além de controle, educação.

Acima de disciplina com inclinações, desenvolvimento de qualidades inatas.

Maturidade pode ser definida pela capacidade individual de ouvir a consciência em detrimento (prejuízo) dos apelos do ego. Quanto mais fizermos isso mais seremos maduros e libertos. A saúde é estar em contato pleno com a consciência e a doença é a escravidão ao ego. Reformar-se é tomar consciência de “si mesmo”, dar “perfeição latente” à qual nos destinamos. Em outras palavras, estamos enaltecendo o ato da autoeducação.

Foi notável Jung que afirmou: “Até onde discernir o único propósito da existência humana é acender uma luz na escuridão do mero ser”, (1).

Imperioso que acendamos essa luz, a luz que promana da autocrítica, em a qual não nos educaremos.

Como exercer um juízo crítico honesto sem o conhecimento das artimanhas da velha personalidade que geramos?

Senso crítico é, portanto, um dos pilares essenciais para a formação da autoconsciência, o qual nos permitirá desvendar as trilhas em direção aos tesouros divinos incrustados em pleno coração dessa selva de imperfeições, que trazemos dos evos.

Apresentamos nessa obra alguns “mapas” para devassarmos essa selva com segurança. Rotas para velhos temas morais já conhecidos de todos nós, os espiritistas, mas que nem sempre conseguimos trazê-los para a intimidade no atendimento satisfatório do anseio exuberante que espraia de nossas almas na construção da personalidade nova.

Decerto, como todo mapa, os caminhos para se atingir o destino são variados e pessoais, conforme a ótica e a escolha de cada qual, e por esse motivo entregamos todas as nossas abordagens com total despretensão quanto a resultados. Todavia, como a peregrinação pelos “vales sombrios” da nossa intimidade é repleta de imprevistos e “ciladas”, não abdicamos da palavra clara e sincera, acrescendo alguns exemplos de histórias dolorosas de quantos foram iluminados pela luz da Doutrina Espírita, sem inumarem a si próprios com a luz da experiência e da renovação.

Jamais moveu-nos a intenção de que nossas considerações, aqui exaradas, pudessem construir um roteiro de orientação ou uma tese didática sobre o temos com objetivo de traçar normas de conduta. Para nós não ultrapassam a condição de sugestões para diálogo em grupo ou meditações individuais. Nossos textos são u “início e conversa” um “ponto de partida” para que vós outros na Terra empreendam a discussão livre e salutar sobre os caminhos da transformação humana, à luz do Espírito imortal. Nosso coração estará sempre onde existirem os colóquios francos e produtivos acerca desse tema.

Sem pessimismos algum, mensurar a condição pessoal, sem conhecimento pleno das histórias contidas em nossas “fichas reencarnatórias”, é, quase sempre, proceder a uma análise míope das condições espirituais autênticas que cercam nosso trajeto nos milênios. Por isso, palpitam muitas ilusões no terreno da nossa luta reencarnatórias, na carne ou fora dela. “Em princípio, o homem que se exalça, que ergue uma estátua à sua própria virtude, anula, por esse simples fato, todo mérito real que possa ter”.

Nossas reflexões destinam-se a uma auto avaliação. Sem uma incursão sincera no mundo de nós próprios, a fim de aquilatar o que somos e não somos, corremos o severo risco de repetir as múltiplas histórias que temos acompanhado por aqui, na vida imortal, na qual o coração bafejado pelas concepções doutrinárias acalenta uma miragem de si para além de suas reais proporções, tende que se olhar; sem refúgios, no “espelho da imortalidade” amargando doloroso processo de desilusão.

Buscando nossa inspiração em O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO – repositório ético para a felicidade humana e incomparável manancial de inspiração superior – no qual encontramos inesgotável fonte de instrução e consolo dos Bondosos Guias da Verdade, em favor dos roteiros dos homens ante suas provas e expiações. Consideremo-lo como sendo um receituário moral para todas as necessidades humanas na Terra.

Entregamos nossos apontamentos com alegria aos leitores e amigos, esperançosa de que a celeste misericórdia multiplique nossas migalhas de amor, saciando a fome da alma com bênçãos de paz e estímulo na aquisição da consciência de si.

Atenciosamente

Ermance Dufaux

Belo Horizonte – MG, 16 de fevereiro de 2003.

(1)    MEMÓRIAS, SONHOS E REFLEXÕES, Nova Fronteira Editora - RJ.

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