quinta-feira, 24 de janeiro de 2019
O duplo espelho: A (auto)reflexividade da obra clariceana “Um sopro de vida (Pulsações)”
A arte salva. Estudos de pesquisadores de renome como Johann Reil e Carl Jung levam ao entendimento de que as manifestações artísticas são uma ótima ferramenta para a expressão dos nossos mais profundos sentimentos. O que atenua o nosso sofrimento, alivia o peso da alma. E simboliza o primeiro passo para o nosso processo de cura e autoaceitação.
Conheça-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo. Se a arte pode ser considerada um eficiente tratamento terapêutico para o atingimento dessa máxima, poucas pessoas podem corroborar tanto essa ideia na prática quanto a escritora Clarice Lispector.
Introvertida e receosa do mundo de fora, Clarice sempre se refugiou na escrita como forma de dar vazão às suas vontades e de buscar o verdadeiro propósito de sua vida. E os seus leitores seguem junto nessa busca contínua. Afinal, já existem muitas discussões e questionamentos acerca de quem foi Clarice Lispector. Contudo, nesses levantamentos é geralmente pouco comentado o seu último livro, o póstumo “Um sopro de vida (Pulsações)”. E é justo sobre a compreensão dessa obra nostálgica e auspiciosa ao mesmo tempo que se debruça o livro “O duplo espelho: A (auto)reflexividade da obra clariceana ‘Um sopro de vida (Pulsações)’”, de Janaina Soggia.
“O livro se abre com uma fala que ressoará em cada uma de suas quatro partes até culminar no fechamento da escritura. ‘Quero escrever movimento puro’, premissa que levou Clarice a buscar na escrita uma maneira de escrever a vida por meio da não-palavra, do além da palavra, da palavra-coisa.” (p. 79-80)
De fato, o enredo de “Um sopro de vida (Pulsações)” não trata a nostalgia como de costume: é quase um livro-testamento em que Clarice coloca vários questionamentos que a acompanharam durante toda a vida ao passo que também existe uma marcante angústia perante o futuro que se aproxima. Já doente e sentindo a ameaça da morte, Clarice preparou o seu último legado. Não deixaria de falar sobre o presente, o instante em que todo sentimento se mostra real e palpitante. Mas a crescente influência dos pesos de um passado carregado e de um inevitável futuro é visível.
A obra de Clarice narra a história de um personagem descrito somente como Autor, um escritor que decide escrever um livro sobre a escritora fictícia Ângela Pralini, personagem que também procura escrever um livro. O que faz existir uma obra dentro da obra. Como um sonho dentro de um sonho. Um duplo espelho se repetindo ao infinito.
Por isso, “O duplo espelho: A (auto)reflexividade da obra clariceana ‘Um sopro de vida (Pulsações)’” busca todas as maneiras pelas quais Clarice procurou se refletir em sua escrita. A morte da mãe em tenra idade, suas viagens pelo mundo, seu cão Ulisses, suas obras anteriores. Demonstra-se como a biografia da escritora foi inserida no enredo de modo que o Autor e principalmente Ângela Pralini se tornassem seus próprios avatares. Personagens moldados a partir do sopro de vida de Clarice derramado sobre o papel. Criados à sua imagem e semelhança.
O escritor é tido como o demiurgo que origina seus próprios mundos. Porém, antes do criador existe o verbo. Antes da ideia de escrever não surge primeiro a inspiração? E então de onde vem a inspiração? Ângela Pralini não sabe, mas a sua centelha criadora é o Autor. O Autor não sabe, mas a sua centelha criadora é Clarice Lispector. E a centelha de Clarice? Quantos reflexos mais existem para explicar a motivação humana?
Assim, a trama se desenvolve com o uso de diversos recursos de metalinguagem e metaficção para adquirir o seu objetivo: fazer com que a história desdobre a própria história. Contudo, muito além disso nota-se como Clarice almejava desdobrar-se a si mesma de uma forma ainda mais profunda. A arte salva. O seu ato final se tornou o clímax para o alcance do seu próprio entendimento. Nada garante de que tenha de fato conseguido. Mas a sua luta claramente lhe garantiu os aplausos da eternidade.
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